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Crime em Portugal

Friday, July 14, 2006

Polícias e Ladrões - Corpos mutilados 1992/93

João de Sousa, o homem que na década de 90 chefiou a Secção de Homicídios da Polícia Judiciária, reformou-se com um travo amargo de derrota. Os crimes atribuídos ao ‘Estripador de Lisboa’, que esventrou os corpos de prostitutas e lhes arrancou o coração, o fígado e os intestinos, foram o seu pesadelo. O assassino nunca foi descoberto – até hoje.



No espaço de menos de um ano, entre o Verão de 1992 e o início da Primavera de 1993, três prostitutas foram brutalmente assassinadas. Os cadáveres foram encontrados mutilados – de tal maneira que o médico- -legista José Sombreireiro, em cerca de 40 mil autópsias nos 30 anos que levava de prática, ainda não tinha visto coisa tão feia.

Quando o primeiro cadáver foi encontrado, em 12 de Julho, na Póvoa de Santo Adrião, arredores de Lisboa, os investigadores da PJ estavam longe de imaginar que o crime era obra de um ‘serial killer’ – um assassino em série com uma incontrolável obsessão por matar, mesmo sem motivo evidente, muitas vezes impelido por pulsão sexual. A vítima, Maria Valentina, de 22 anos, toxicodependente e prostituta, jazia numa poça de sangue já seco. O assassino abriu-lhe o tórax e a barriga a golpes desferidos com raiva incontida e levou o coração e partes do fígado e dos intestinos.

Ensina a experiência policial que um homicídio é desvendado em seis meses. É este, pelo menos, o tempo ideal entre a avaliação do local de crime, os exames de laboratório aos vestígios, a busca de suspeitos e os interrogatórios para o resultado das investigações. Depois, o tempo corre a favor do assassino.

Cinco meses após a morte de Valentina, foi descoberto um segundo corpo. Ao princípio da manhã de 2 de Janeiro de 1993, trabalhadores das obras na ponte ferroviária de Entrecampos, em Lisboa, encontraram--no nas traseiras de um barracão do estaleiro. A vítima, identificada como Maria Fernanda, era prostituta habitual naquela zona. O crime foi ainda mais brutal. O corpo estava retalhado como o primeiro. Também lhe faltavam os mesmos órgãos – mas tinha os seios decepados.

Ninguém na Secção de Homicídios da Polícia Judiciária hesitava em atribuir os dois crimes ao mesmo autor. Se tivessem razão, o criminoso seria um ‘seria killer’ e, como todos os assassinos em série, voltaria a matar. Descobriram, três meses depois, em 15 de Março, que estavam certos – quando encontraram a terceira vítima, Maria João, de 27 anos, no mesmo local onde morreu a primeira mulher. Estava tão mutilada como o segundo cadáver.

O médico-legista José Sombreireiro esclareceu que as três prostitutas estavam vivas, embora inconscientes em resultado de forte pancada na cabeça, quando foram esventradas.

Quanto mais tempo um homicida fica no local do crime, maiores são as hipóteses de ele deixar marcas e provas comprometedoras. O homem que matou as três prostitutas, dilacerando os corpos para lhes arrancar o coração, o fígado e os pulmões, demorou-se junto das vítimas. Mas nem por isso deixou vestígios – ou, se deixou, não foram identificados. Tudo jogava a favor do assassino: os lugares dos crimes eram frequentados por muita gente e as provas ali deixadas pelo estripador estavam por isso contaminadas.

Quando os homicidas deixam as vítimas irreconhecíveis, isso significa, na maior parte dos casos, que ele as conhecia. As três prostitutas tinham os rostos intactos. Se os assassinos revelam preocupação em limpar o cenário do crime, é indício que já passaram pela cadeia ou receberam tratamento psiquiátrico. O estripador não tentou disfarçar a mais pequena mancha de sangue. Todos os homicídios foram cometidos de noite – o que sugere um solitário. O assassino, de acordo com o retrato psicológico, é um homem só, sem relação com as vítimas e com registo criminal imaculado e acima de qualquer suspeita.

Após a descoberta do terceiro corpo, em 15 de Março de 1993, dois agentes especiais do FBI desembarcaram em Lisboa. Traziam na bagagem dezenas de fotos e relatórios sobre crimes idênticos em New Bedford, onde vive uma numerosa comunidade de origem portuguesa, e o nome de um suspeito, Kenneth Ponte, advogado, de 50 anos. Seria ele o estripador? Aparentemente, tudo batia certo. Os casos de Lisboa e de New Bedford tinham um traço comum: as vítimas eram prostitutas. Mas apresentavam uma diferença fundamental: por cá, ao contrário dos EUA, os corpos foram cruelmente mutilados. O assassino não podia ser o mesmo. Keneth acabou por ilibado dos crimes de New Bedford. A pista americana foi abandonada. Os agentes do FBI regressaram a casa.

A direcção da PJ até criou um grupo de trabalho especial, que teve vários coordenadores: João de Sousa, Pedro Amaral, Ferreira Leite – mas do estripador nem sinal.

A PISTA EUROPEIA

A Interpol juntou informações de Portugal, Inglaterra, Finlândia, Áustria e República Checa onde, no mesmo intervalo de tempo, ocorreram crimes idênticos: as vítimas eram prostitutas e os seus corpos foram mutilados. Mas em Portugal, Áustria e República Checa os crimes pareciam tirados a papel químico. As polícias voltaram-se para a ‘pista europeia’.

O criminoso será um solitário com capacidade para se deslocar pela Europa – um camionista de longo curso e cliente de prostitutas: descobriu que contraíra sida e deu-lhe para se vingar das prostitutas onde as conheceu. Os assassinos em série só param quando são apanhados ou quando morrem. O estripador nunca mais deu sinais de vida. Deve ter morrido.

CASO ABERTO

- Apesar de a ‘pista europeia’ apontar para a morte do estripador, os 14 dossiês que a P J juntou sobre os crimes de Lisboa ainda não estão arquivados

- O caso apenas será arquivado em Março de 2008 – quando terminar o prazo de 15 anos, contado a partir do último homicídio

- Dos assassínios em série em todo o Mundo desde os anos 70, dois terços são dos EUA

- O FBI estabelece diferença entre assassinos em massa e assassinos em série. Os primeiros podem atacar a família ou colegas de trabalho e deixam-se abater pela Polícia. Os outros, metódicos e inteligentes, estão convencidos de que nunca serão apanhados
Manuel Catarino

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