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Crime em Portugal

Friday, July 14, 2006

Polícias e Ladrões: Crime por encomenda (1998)

O destino parece ter amaldiçoado os Beja da Costa, uma das mais ricas proprietárias do País, de vasto património em Lisboa, no Ribatejo, no Alentejo. Quando o patriarca morreu, nos anos 80, deixou considerável fortuna aos três filhos: Maria Ana, a mais velha, Maria Inês e Francisco, o mais novo, herdaram dinheiro, casas, terrenos – cada parte da herança era constituída por cerca de 200 mil contos em dinheiro e várias propriedades. Só não lhes deixou felicidade.

Na manhã de 9 de Maio, uma tremenda explosão abalou a zona do Restelo, em Lisboa. A entrada para o jardim que rodeia a vivenda dos Beja da Costa, na Avenida Vasco da Gama, ficou destruída. Francisco, o benjamim da família, era o alvo da explosão – e escapou por milagre. O homem encarregado de accionar a bomba à distância atrasou-se uns segundos a carregar no botão. Foi a sorte de Francisco, que sobreviveu com graves ferimentos nas pernas.

A investigação do atentado foi conduzida pela Direcção Central de Combate ao Banditismo (DCCB), o departamento da Polícia Judiciária contra a criminalidade mais grave e violenta que, em menos de uma semana, resolveu o caso e descobriu a mandante do crime: Maria Ana, a mais velha, mandou matar à bomba o irmão Francisco.

Maria Ana Beja da Costa, então com 39 anos, divorciada, mãe de uma menina, terminara na Faculdade de Letras, em Lisboa, a licenciatura em História da Arte e concluíra o mestrado. O que lhe faltava em beleza sobrava-lhe em vivacidade e inteligência. Nos últimos anos estoirou o quinhão que lhe coube em herança com a voracidade de quem não tem tempo para gastar tanto dinheiro. Investiu em negócios ruinosos, esbanjou, deu – e perdeu tudo, irremediavelmente.

A irmã do meio, Maria Inês, nove anos mais nova, divorciada e com três filhos, habitava o palacete símbolo da família, em Santiago do Cacém. Censurava a vida estouvada da irmã, mas não lhe regateava ajuda nos piores momentos.

Francisco Beja da Costa era o oposto de Maria Ana. Reservado e discreto. Administrava a fortuna com o rigor de um banqueiro. A magnífica moradia do Restelo que lhe coube nas partilhas era demasiado grande para um rapaz solteiro: pô-la de renda por umas centenas de contos mensais – e passou a viver num espaçoso anexo que mandou construir por cima da garagem.

O mais novo dos Beja da Costa estava longe de imaginar que a irmã planeava matá-lo – impelida pelo inconfessável objectivo, segundo o Ministério Público, de garantir a herança de metade do que era dele. Maria Ana adivinhou na morte do irmão a solução que a salvaria da bancarrota. Francisco não tinha descendentes e, em caso de morte, as irmãs seriam as únicas herdeiras. Maria Ana teria direito a metade. Amadureceu um plano para o matar. Travou amizade com Júlio Rocha, serralheiro – que se encarregou de falar com José Carlos Nunes, motorista, e Paulo Pita, electricista com um jeitinho muito especial para a electrónica. Ficou decidido que Francisco seria assassinado por uma bomba accionada à distância. A mandante do crime ofereceu-lhes 15 mil contos pelo trabalho, mas eles queriam mais – e ela fechou o negócio por 20 mil.

O crime ficou marcado para a manhã de 9 de Maio de 1998. Os três homens construíram a bomba, dentro de uma lata grande, e colocaram--na junto ao portão da vivenda. Esperaram pela vítima escondidos no outro lado da avenida. Francisco Beja da Costa tirou o carro da garagem. Parou uns metros mais à frente – e saiu para fechar a porta e abrir a cancela da rua. O Restelo foi abalado por um estrondo ensurdecedor. Os bombistas nem esperaram o pó assentar: fugiram imediatamente.

Os vidros das janelas da moradia e do carro ficaram em estilhaços. Francisco, gravemente ferido nas pernas, só escapou com vida porque o homem encarregado de accionar a bomba, Paulo Pita, atrasou-se a ligar o interruptor. Dois ou três segundos mais cedo Francisco teria sido apanhado no vértice fatal da explosão.

Uma brigada da DCCB desmontou a tramóia. Um juiz de Instrução Criminal mandou Maria Ana, Júlio Rocha, José Nunes e Paulo Pita em prisão preventiva. O Ministério Público acusou-os dos crimes de homicídio na forma tentada, dano com violência e explosão.

Maria Ana e os três cúmplices começaram a ser julgados em Novembro de 2000 no Tribunal da Boa-Hora, em Lisboa. Na primeira audiência, Maria Ana negou todas as acusações: “Não delapidei o meu património, limitei-me a geri-lo à minha maneira. Não mandei matar o meu irmão” – disse aos juízes. Ficou provado que tinha encomendado a morte do irmão por 20 mil contos. Foi condenada a oito anos de cadeia. Os outros apanharam, cada um, seis anos e meio de prisão.

PRISÃO PREVENTIVA

Maria Ana esteve sete meses em prisão preventiva na cadeia feminina de Tires, nos arredores de Lisboa.

O juiz de Instrução Criminal pô-la por fim em prisão domiciliária – até ao início do julgamento.

A irmã do meio, Maria Inês, deu-lhe preciosa ajuda: convenceu um advogado amigo, Arrobas da Silva, a defendê-la em Tribunal e aceitou hospedá-la numa casa que lhe pertencia de herança – a Herdade do Moinho do Rêgo, perto da Barragem de Campilhas, nos arredores de Santiago do Cacém.

Maria Ana e os três cúmplices já cumpriram as penas.

IRMÃ DESAPARECIDA

Um mês antes do início do julgamento de Maria Ana, o destino pregou mais uma partida à família Beja da Costa. Maria Inês, a irmã do meio, desapareceu misteriosamente. Vivia com as três filhas no palacete do centro de Santiago de Cacém. Divorciara-se do marido, João Caxaria, economista – e o casal continuava a viver debaixo do mesmo tecto. O casarão, de 40 assoalhadas, tinha muito espaço. O ex-marido viu-a pela última vez em casa, às 05h00 da manhã de 14 de Outubro de 1999. Era uma fumadora inveterada. Deixou o maço de tabaco e o isqueiro em cima de um móvel. A governanta, que conhecia de cor o guarda-roupa da patroa, só deu pela falta de uma camisa de dormir. Maria Inês continua desaparecida.
Manuel Catarino

2 Comments:

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    By Blogger Carol Rocha, at 6:47 AM  

  • quem é vc? vivi com Francisco Beja da Costa e estou emocionada de ler e texto que escreveu. Eu amo muito ele e quero toda a felicidade do mundo para ele!

    By Blogger Carol Rocha, at 6:52 AM  

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